domingo, 4 de outubro de 2015

A queda do muro (Parte 1)

"Prefiro manter-me calada a entrar em conflitos desnecessários. Uma coisa eu garanto: a vista daqui de cima (do muro) é mais bonita."

Assim encerrei o primeiro texto do blog, em fevereiro de 2014, quando a única bandeira que eu empunhava, muito timidamente, era a da maternidade ativa. Fugia de debates e tinha pavor de confusão. Ao menor sinal de fumaça, corria com medo de me queimar.
A vista lá do alto era realmente linda. Que lugar confortável, calmo e aconchegante! Por que alguém iria querer sair dali?

O mundo estava ficando muito chato e politicamente correto. O Facebook, cada dia mais sem graça. Tanta polêmica, tanto barraco a troco de nada... As redes sociais foram criadas para descontrair, não para deixar as pessoas mais estressadas. Que preguiça dessa gente que briga por tudo! Cadê a liberdade de expressão? Quanto radicalismo, aff!!!

Foi com esse pensamento que defendi a hashtag #SomosTodosMacacos, durante o episódio infeliz com o jogador Daniel Alves, no final de abril daquele ano, quando uma amiga (Raquel, um beijo!) disse que era uma baita hipocrisia e a carapuça me serviu perfeitamente. Como assim me chamar de hipócrita? Eu sou legal pra caramba, poxa! Vou deixar pra lá. Melhor não discutir com uma feminista de esquerda, elas se acham donas da verdade.

Nessa mesma época, comecei a participar de um grupo de mães onde a maioria adorava a cor vermelha, a Frida Kahlo, e usava a palavra machismo como resposta para quase todas as perguntas.
Apesar dos posts, no geral, serem relacionados à maternidade, vez ou outra algumas questões sociais e políticas eram levantadas. Elas falavam tão bonito... Queria entender tudo aquilo. Fui pesquisar.
Eu, uma pessoa neutra desde criancinha, comecei a sentir o muro tremer.

Eleições à vista. Começam as campanhas. Ai, que saco... Tem gente que leva a sério demais, né? Vontade de sumir do Facebook e só voltar em novembro. Não quero nem saber as propostas dos candidatos, tudo mentira mesmo. Não quero que a Dilma ganhe, precisamos de mudança. O concorrente direto é o Aécio? Não voto nele de jeito nenhum. Votarei no Eduardo Campos, a família dele é muito linda. Morreu, que tristeza... Vou no Eduardo Jorge, então. Curto essa vibe bicho-grilo.

Muita gente reclamando da falta de água. Uns dizem que a culpa é do Alckmin, outros que é de São Pedro. Quem será que tem razão? Vou pesquisar.
A culpa é do Sr. Governador. Mesmo. Sempre votei nele, logo, a culpa é minha também. Droga... Eu sou legal pra caramba, poxa! Ninguém vive sem água. O que será do futuro do meu filho sem água?
O muro tá balançando. Deu medo. Vou descer um pouquinho e já volto.

Como assim reelegeram o cara no primeiro turno com mais de 60% dos votos??? Além de água, falta informação também. Única explicação plausível para alguém compactuar com uma negligência desse porte. Vou ficar aqui embaixo mais um pouco.
Fim das eleições. Ufa! Vou subir de novo e acompanhar o barraco lá de cima. Bora preparar a pipoca e assistir o povo se matando porque a Dilma ganhou. Vou ficar bem quietinha no meu canto, não tenho nada a ver com isso.

Discurso de ódio rolando solto. Palavrões direcionados a uma mulher que poderia ser minha mãe. Tisc, tisc... Que vergonha! Estão perdendo a cabeça, o desespero tomou conta. Uns pedem impeachment, outros dizem que é golpe. Vou pesquisar.
É golpe mesmo. Como não votei nela, mas sei que se ela sair outro pior vai ocupar o lugar, me abstenho mais uma vez.

Chega de política. Assunto mais chato, credo. Fulana acabou de se separar, estava vivendo um relacionamento abusivo. Não sei exatamente do que se trata. Vou pesquisar.
Já vivi. Várias amigas vivem/viveram. Escapei, que bom. Pena que muitas não.
Empatia. Sororidade. Acho tudo muito lindo na teoria, mas não quero virar uma feminista chata que vive arrumando treta. Melhor continuar por aqui mesmo. Vou fazer mais pipoca.

Calor dos infernos, vamos para o parque. De vestido não dá, se eu precisar abaixar pra pegar a bola tô ferrada. O short é melhor. Curto demais, talvez. Foda-se.
Buzinas, assobios, olhares libidinosos e palavras nojentas. Estão me desrespeitando. Estão desrespeitando meu filho. Vocês gostariam que fizessem isso com a sua mãe? Com a sua irmã? Com a sua filha? Me deixem exibir minhas celulites em paz, porra!

Preciso ensinar meu filho a respeitar as mulheres desde cedo. Domingo à noite, tv ligada no programa Pânico. Ele quer ficar na sala com o papai. Me tranco com ele no quarto até dormir. Loja de brinquedos, escolhe um jogo de cozinha. Rosa, óbvio. Na embalagem a inscrição para meninas. Na fila do caixa, perguntam o nome "dela". Na rua, ele sorri para uma moça e alguém diz "Moleque esperto! Desde pequenininho já sabe paquerar!". Engulo seco. O muro está ruindo.

(CONTINUA)














Nenhum comentário:

Postar um comentário