sexta-feira, 25 de abril de 2014

A mãe que eu tive... e a mãe que espero ser (Parte 1)

Tenho ótimas recordações da minha infância. Cresci brincando na rua, subindo em árvore para colher fruta, caçando vaga-lume, fazendo bolinho de terra, tomando banho de chuva, montando cabaninha de lençol com meus irmãos... Era uma criança, aparentemente, feliz.
Porém, em meio a tantas lembranças boas, existe uma, nada legal, que me assombra até hoje: eu apanhei, muito. Não falo de tapinhas e chineladas na bunda, mas de surra mesmo. De machucar. De deixar roxo.

Nunca fui uma menina levada, que aprontava todas. Longe disso... Apanhava porque quebrava o brinquedo novo sem querer; porque esquecia a boneca na casa da amiga; porque sujava a roupa que acabara de vestir; porque brigava com o meu irmão por bobagens... Apanhava por tudo, ou melhor, apanhava por nada. Apanhava simplesmente por ser criança e fazer coisas que crianças fazem.
Ah! E chorar era proibido. Contar para o papai também. Se chorasse, apanhava mais, porque chorou. Se contasse, apanhava mais, porque contou.
Mas, acreditem, era o melhor para mim. Minha mãe sempre dizia: "Faço para o seu bem. Um dia você ainda vai me agradecer!".

As surras eram frequentes. Ela, inclusive, preparava "varinhas de marmelo" com antecedência, na nossa frente. Conseguem imaginar o nível de tortura psicológica?
O mais engraçado, é que ela não se lembra de absolutamente nada. Descobri isso recentemente, durante uma viagem em família, quando o assunto veio à tona e ela negou, disse que eu estava mentindo e que só havia me batido duas vezes na vida (ambas quando eu era adolescente). Achei desnecessário dar continuidade à discussão e paramos por ali. Talvez ela tenha realmente esquecido, não sei... Só tenho certeza de uma coisa: quem apanha, jamais esquece.

De qualquer forma, o método era bastante eficaz, reconheço. Meu comportamento era exemplar, e meu desenvolvimento intelectual, muito além das expectativas para a faixa etária.
Aos três anos já conversava de igual para igual com os adultos e não tinha a menor paciência para assuntos infantis. As crianças da minha idade eram tão burras e desinformadas... Como era possível alguém acreditar em "cegonha"? Em Papai Noel? Em Coelhinho da Páscoa? Por que os pais daquelas criaturas não diziam a verdade (e me poupavam de estragar o barato delas constantemente)?
Para mim, era tudo muito óbvio. Eu nasci porque meus pais fizeram sexo, ponto. Os presentes de Natal são comprados pelo meu pai e, se ele não tiver dinheiro, não ganharei presente, ponto. Coelhos não botam ovos, muito menos de chocolate, ponto.

Com cinco, fui alfabetizada (em casa) e aprendi a ver as horas no relógio de ponteiro. Porque era inteligente demais, não é mesmo? Não, porque minha mãe perguntava as horas e, se eu errasse, recebia um tapa para me ajudar a acertar na próxima vez. Incentivo melhor do que esse, desconheço.
Aliás, foi graças ao medo de apanhar que minha média escolar se manteve entre as mais altas da turma durante todo o primário e parte do ginásio (atualmente chamados de ensino fundamental I e II). Nenhuma nota menor do que 9.0 era bem-vinda. Se tirasse 8.0, ganhava, no mínimo, um puxãozinho de orelha. Um 7.0 seria inadmissível. E, diferente da maioria, um 10.0 não era motivo de alegria, apenas de alívio.

Elogios eram raros. Eu era gorda e, portanto, feia. Minha mãe fazia questão de me lembrar disso, principalmente diante das outras meninas, mais bonitas: "Olha como a fulana é linda e magrinha!".
Comprar roupa, então... Constrangimento garantido. Ela entrava na loja dizendo: "Será que tem alguma coisa que sirva nela? Porque ela tem oito anos, mas veste tamanho dezesseis!". Não bastasse a humilhação de provar mil peças até encontrar uma que ficasse razoavelmente boa, enquanto eu murchava a barriga e prendia a respiração para subir o zíper, ainda tinha que aguentar a cara de total desaprovação que ela fazia. Aquilo doía mais que as surras...

Quando estava prestes a completar doze anos, minha mãe adoeceu (depressão das brabas...) e se fechou para o mundo. Me vi obrigada a tomar o seu lugar nos cuidados da casa e do meu irmão mais novo, não havia outra alternativa.
Naquela época, estávamos sem dinheiro, completamente falidos. Mal tínhamos o que comer... Precisamos aprender, na marra, a viver de um jeito completamente diferente do que estávamos acostumados.
Adeus, colégio particular! Adeus, carro do ano! Adeus, roupas de marca! Adeus, infância!

Eu odiava a minha mãe. Odiava ver a porta do quarto dela sempre trancada; odiava ter responsabilidades incompatíveis com a minha idade; odiava ouvir meu pai reclamando dos problemas e ameaçando nos abandonar; odiava usar roupas doadas; odiava ter que correr para não perder o ônibus; odiava fingir que estava tudo bem, para não assustar meus irmãos... Odiava aquela vida.
No entanto, apesar das dificuldades, mantive a cabeça erguida. Qualquer demonstração de fragilidade seria inútil, pois não havia quem cuidasse de mim.
A imagem de "cdf-quatro-olhos" e "gorda-baleia-saco-de-areia" não combinava mais comigo. Decidi, então, me tornar uma pessoa diferente. E consegui.

(CONTINUA)







Um comentário:

  1. Me lembrei da Tia dizendo na maior cara lavada: "Nossa Priscila como você engordou né??" Ou "Nossa, mas aquele menino é o _______? Como ele tá feio!!!" rsrsrsrsr... Constrangimento Total....

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