domingo, 27 de abril de 2014

A mãe que eu tive... e a mãe que espero ser (Parte 2)

Na escola nova ninguém me conhecia, sendo assim, a tarefa de incorporar uma personagem parecia relativamente fácil.
Meus colegas foram bastante receptivos, especialmente os meninos. Todos queriam me conhecer, o que era algo bem estranho. Não estava acostumada a ser notada, muito menos por conta da minha beleza, afinal, havia passado a vida inteira escondida atrás dos livros.
Em contrapartida, o fato de já ter corpo de mulher chamava atenção não apenas dos garotos da minha idade, como também dos homens. Andava na rua e ouvia coisas nojentas. 
Apesar da maturidade precoce, definitivamente, não estava preparada para lidar com aquilo. Sentia raiva e muita vergonha. Eu tinha doze anos, poxa! Essa foi a parte complicada...

No fundo, ainda era uma criança inocente, que precisava de carinho e conforto dos pais. Como defesa, passei a me esconder atrás da máscara de menina descolada, que podia beber e fumar, e não tinha hora para voltar para casa. Estava sempre tentando ser legal e buscando aprovação. Queria que me achassem bonita, engraçada, inteligente.
Relaxei com os estudos, algo que lamento profundamente até hoje. Não me dedicava durante as aulas nem me esforçava para alcançar boas notas nas provas. Minha mãe não estava nem aí... De certa forma, a cobrança fazia falta. Ao menos, antigamente, ela se importava.

Felizmente, não me tornei uma jovem revoltada com a vida. Poderia ter me envolvido com pessoas erradas e pelos motivos errados, mas não, tive a sorte de cruzar apenas com gente de bem pelo meu caminho. Fiz amizades sólidas e verdadeiras. Algumas das quais pretendo carregar para sempre.
Eles, meus grandes amigos da adolescência, provavelmente nunca tiveram noção de sua real importância, mas serei eternamente grata por cada sorriso, cada desabafo, cada segredo compartilhado, cada lágrima enxugada, cada recadinho na contracapa do caderno. Graças a eles, consegui chegar à idade adulta sem grandes marcas ou traumas.

Com o tempo, parei de culpar minha mãe e a mágoa virou aceitação. Ela era uma pessoa difícil, mas era minha mãe, né? Embora ainda não conseguisse perdoá-la, tentava compreender suas razões.
A vida foi muito cruel com ela. Uma crueldade que jamais serei capaz de mensurar, pois desconheço a maior parte da história. Não sei muito sobre o seu passado, apenas o suficiente para ter certeza que foi extremamente sofrido.
Cresceu sozinha, na miséria, abandonada à própria sorte. Nunca conheceu o pai e só teve contato com a mãe (que abriu mão dela e de outros filhos por não ter condições de criá-los) aos dezessete anos. Àquela altura, a armadura que construiu para se proteger já era resistente demais para ser quebrada.

Aprendi a ignorar suas crises (nem sempre conseguia) e a convivência se tornou mais tranquila. Nosso relacionamento tinha altos e baixos. Não era dos melhores, mas era pacífico.
Algum tempo após o meu casamento (no qual ela não compareceu, diga-se de passagem), começamos a nos aproximar. A distância foi primordial para isso, pois evitava as desavenças. Quando nos encontrávamos, as conversas fluíam amistosamente.
O carinho e admiração, pouco a pouco, foram restaurados. Tive consciência disso quando, pela primeira vez, em mais de vinte anos, ela fez uma salada de repolho especialmente para mim. Parece bobagem, mas chegar na casa dela para almoçar e ouvir "Filha, separei uma parte da salada para você. Sem cebola, viu?" foi, naquela ocasião, a declaração de amor mais linda do mundo.

Desde então, nunca mais tivemos qualquer tipo de problema uma com a outra. Nos tornamos amigas de verdade. Os papéis se inverteram, agora sou eu quem cuida dela. Ligo para saber se está tudo bem, fico preocupada quando vai a algum lugar e demora para voltar, dou bronca quando faz comentários sem noção (ela é a campeã nesse quesito!). E ela me respeita.
Toda vez que tem alguma dúvida sobre qualquer assunto, me procura, fazendo com que eu pareça a pessoa mais sábia da face da Terra. Chega a ser divertido... Aliás, ela sabe ser incrivelmente engraçada quando quer. Sua sinceridade absurda, quando não constrange, garante boas risadas! Uma pena não ter percebido isso antes...

(CONTINUA)

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