terça-feira, 29 de abril de 2014

A mãe que eu tive... e a mãe que espero ser (Parte 3 - Final)

"Quando você for mãe, vai entender!"
Acho que todas as mulheres já ouviram essa frase alguma vez na vida, principalmente quando meninas, pelas próprias mães. Comigo não foi diferente. Ao meu ver, não passava de uma desculpa para justificar ações incoerentes ou encerrar questionamentos para os quais não haviam respostas, assim como "Faço para o seu bem" e "Um dia você ainda vai me agradecer".
Mesmo tendo conseguido superar as dores do passado, esse tipo de afirmativa ainda não fazia o menor sentido. Como uma mãe pode punir uma criança fisicamente, pensando ser para o seu bem? Por que eu agradeceria ter sido vítima de tantas punições? O que diferencia uma mãe de qualquer outra mulher? Estava prestes a descobrir...

Quem me conhece sabe que ser mãe nunca foi o meu maior sonho. À princípio, meu marido também não fazia tanta questão de ser pai, portanto, formávamos uma boa dupla.
Dentro da rotina do nosso casamento não cabia uma criança, mas, para as outras pessoas, sobretudo nossas famílias, era difícil entender isso. Todos queriam um bebê.
Após sete anos encarando a torcida fanática (e pesando prós e contras, claro), finalmente, decidimos ter nosso filho. Não preciso nem dizer o quanto a gravidez foi comemorada, né? Quando liguei para a minha mãe para contar, ela chorou e disse, soluçando: "Você será uma ótima mãe, minha filha...".

Ela esteve presente durante toda a gestação. Sempre que eu precisava de qualquer coisa, se dispunha a ajudar. Nosso elo ficou ainda mais forte.
A chegada da minha sobrinha, pouco antes de eu engravidar, abrilhantou sua vida (e a de todos nós). Tornar-se avó foi a melhor coisa que poderia acontecido. Agora, com o segundo neto a caminho, sua animação era constante.
Quando o quartinho do bebê ficou pronto, enquanto eu mostrava as roupinhas e outros ítens do enxoval, ela olhava tudo com empolgação. Num certo momento, visivelmente emocionada, desabafou: "Filha, quando estava grávida de você, só pude comprar dois macacõezinhos. Ficava namorando as vitrines e sonhando com todas aquelas coisas lindas. O Miguel tem muita sorte...". Naquele instante, comecei a entender.

Minha mãe era muito mais jovem do que eu quando engravidou pela primeira vez, tinha apenas vinte anos. A realidade dela era outra. Não teve qualquer referência materna durante toda sua infância e adolescência. Enfrentou dificuldades inimagináveis e, provavelmente, não conseguiu exorcizar a maior parte dos seus demônios. O que esperar de uma mulher com uma bagagem de vida tão pesada?
Certamente, todo o mal que ela (sem querer) me causou, foi uma tentativa desesperada de me colocar num caminho diferente do seu. Ela exigia que eu desse o melhor de mim porque sabia da minha capacidade. Queria que eu "fosse alguém na vida" e tivesse um futuro digno. Tudo o que fez, foi por amor.

Com o meu filho nos braços, ainda na sala de parto, fui apresentada a esse amor, o tal "amor de mãe". Um amor tão grande que me consumiu imediatamente. Senti como se estivesse fora de mim... E estava. Meu mundo se resumia àquele pequeno pacotinho.
A primeira noite do Miguel em casa foi tensa. Ele chorava sem parar e meu peito ainda não tinha leite. Eu, meu marido e minha mãe nos revezávamos para tentar acalmá-lo, mas o choro persistia. Tentei de todas as formas fazê-lo mamar, sem sucesso. Me senti uma inútil por não conseguir alimentá-lo... Com o coração partido, me rendi à mamadeira. Ele, então, dormiu.
O dia já estava claro quando fomos deitar. Apesar do cansaço, demorei para pegar no sono. De repente, ouvi soluços vindo da sala. Minha mãe estava chorando... Ela estava sofrendo pelo meu sofrimento. Porque é isso o que as mães fazem: sentem por elas e por nós.

Os tapas que recebi quando criança doeram em mim, mas doeram nela também. Pude ter uma amostra disso nas poucas vezes em que deixei o Miguel chorando, ainda recém-nascido, para "aprender a dormir sozinho", porque todos (pediatra, familiares, amigos, conhecidos e até mesmo desconhecidos) diziam que era o melhor para ele.
Aquilo dilacerava meu coração... Não me parecia certo, nem me parecia justo. Desisti de seguir os outros e comecei a pesquisar a respeito, na esperança de encontrar linhas de pensamento que não fossem de encontro com o que meu instinto materno pedia. Descobri a Criação com Apego, que me ajudou a definir o tipo de mãe que eu gostaria de ser.

Quero que o Miguel me respeite, mas não tenha medo de mim. Quero que ele absorva os ensinamentos que eu puder passar, mas de forma natural e agradável. Quero que ele aprenda o que é certo e errado, mas não à base de castigos rigorosos. Quero que ele se desenvolva, mas no tempo dele. Quero que ele seja meu parceiro, não meu subordinado. Quero que ele sinta orgulho de mim, mas que se orgulhe ainda mais de si mesmo. Quero, acima de tudo, o que todas as mães querem: que meu filho seja feliz, independentemente das suas escolhas.
Embora não tenha como assegurar que tudo acontecerá de acordo com os meus desejos, sei que a rigidez, para mim, não é a melhor opção.

Tudo o que as mães fazem, é pensando no bem de seus filhos. Cada uma age de acordo com o que acredita ser o melhor para eles, dentro de sua realidade. Mas não há garantias, apenas probabilidades.
O apego, a amamentação estendida e a alimentação saudável não garantem que o Miguel não possa vir a ter problemas (de cunho emocional, comportamental, de saúde ou com o peso) algum dia. Mesmo assim, seguirei dando colo e peito, fazendo cama compartilhada e me preocupando com o que ele come, porque acredito ser para o seu bem. E se, lá na frente, eu perceber que meus esforços foram em vão, paciência... Só espero ter sabedoria suficiente para reconhecer os meus erros e motivação para continuar tentando. Porque sou mãe, e mães nunca desistem.

Não existe uma via certa para o "futuro dos sonhos", pois não sabemos o que nos espera adiante. Minha mãe também não podia prever, fez o que julgou necessário.
As surras me mantiveram "na linha", mas não garantiram que eu me tornasse uma profissional renomada, como minha mãe tanto queria. Ironicamente, hoje me encontro numa posição bem parecida com a dela: de mãe e dona de casa. E estou muito feliz, obrigada. Talvez até mais do que se tivesse optado por investir na carreira. Não é isso o que realmente importa?
Como mulher, eu agradeço. Como mãe, eu entendo. Hoje eu sei que foi para o meu bem...




4 comentários:

  1. Jan, parabéns!
    O texto é lindo... Imagino sua catarse ao escrevê-lo.
    Emocionante!
    Já pensou em escrever um livro?
    Beijos

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  2. Jan, seu texto é lindo e muito corajoso. Que bom que você percebeu todas essas coisas.Que bom que pôde se perdoar e perdoá-la. A vida é curta demais pra ficarmos perdendo tempo com as desavenças. Que venham os melhores momentos sempre!

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  3. Chorando horrores com esse final tão lindo e emocionante, Jan! Parabéns sempre! Beijão!!!

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  4. Chorando horrores também, Jan. É isso mesmo, temos que ter esse olhar para nossas mães. Elas não fizeram por mal. E busquemos nossos caminhos, nossas escolhas. <3

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